Depois de assistir Twin Peaks e me apaixonar pela estética da série, decidi mergulhar no surrealismo de Lynch e escolhi o primeiro filme da sua carreira.
Eraserhead consumiu 5 anos da vida de Lynch (e ao que parece também seu casamento na época). É um filme relativamente curto (1h30), gravado em preto e branco e absolutamente perturbador. Quem estiver interessado, é bom que se prepare para o desconforto do início ao fim.
O filme inicia com o protagonista caminhando em um cenário industrial (o que já é perturbador) e nos conta um recorte da vida de Henry Spencer que vive em um apartamento caótico, sujo e escuro. Spencer vai jantar na casa dos pais da namorada, Mary X, e descobre que se tornou pai (“nem sabemos se é um bebê", nas palavras de Mary X). Em seguida, já encontramos Mary X já morando no apartamento de Henry e a vemos alimentar o “bebê”, uma figura grotesca, deformada e totalmente perturbadora.
Os sons de choro e gorgolejos, durante toda a película, tornam a atmosfera muito perturbadora e desconfortável e pode se dizer o mesmo dos longos silêncios.
Mary X, surtada com o incessante choro da criança, deixa Henry no apartamento sozinho com o bebê e as cenas mais perturbadoras, sem dúvida, aparecem a partir desse ponto: o verme/espermatozóide que Henry encontra em sua caixa de correio e ganha vida própria, a relação sexual que Henry tem com sua sedutora vizinha enquanto o bebê chora, a cena em que Henry perde a cabeça (literalmente) e seu cérebro vira borracha de lápis após ser levado para uma fábrica por um menino e , por último, a menina “bochechuda” que Henry vê dentro do aquecedor dançando. SURREAL
O filme é realmente perturbador e foi amplamente criticado antes de virar “cult”, provando que Lynch produziu algo realmente a frente do seu tempo que só ganhou reconhecimento posteriormente. Kubrick teria confessado a Lynch que esse é o seu filme favorito, tanto que todo o elenco de Iluminado teve que assistir esse filme para que entendessem a atmosfera que Kubrick queria passar.
Segundo a crítica, as cenas também tiveram inspirações em Dali (surrealismo), em Gogol (O Nariz) e em Kafka (A Metamorfose). Engraçado que enquanto assistia o filme, Gogol me veio a mente diversas vezes e realmente há um elemento non sense - surrealista mesmo - que está muito presente em O Nariz.
Eraserhead, como em toda a obra vindoura do Lynch, é cheio de metáforas e simbologias (que permitem em torno de mil e duzentas interpretações rsrs) que possivelmente representam o medo da paternidade (Lynch recém havia tido uma filha na época), o retrato da vida na sociedade industrial, e a psique do homem industrial mesmo, tomado pelo sufocamento, pela infelicidade e pela inércia dessa sociedade doente.
Para os fãs de Twin Peaks (categoria a que recentemente pertenço) tem vááárias referências em Eraserhead que Lynch levou para Twin Peaks. Só pra citar algumas: o quadro da bomba atômica no quarto de Henry, assim como na sala de Gordon, a dança da personagem bochechuda que tem muita semelhança com cenas de Audrey, a cena do espaço com a tripa que sai da boca de Henry (exatamente como descobrimos em TP que Bob é criado), o “poço” onde Henry e a vizinha fazem sexo e que é idêntico ao que fica na floresta de TP e que marca a fronteira com a Black Lodge.
Enfim, é uma obra fantástica porque entrega o que se propõe: medo, desconforto e angústia. Não quero assistir novamente, ao menos por enquanto, não porque tenha achado ruim, mas sim porque é pesado, difícil de digerir, angustiante, sem nada para contrabalancear (como acontece em TP). Mas é subversivo e imagino o quanto tenha sido inovador na época.
Me faz pensar que tem pessoas predestinadas a atravessarem fronteiras invisíveis. Gênios, visionários. E o onírico e o surrealismo de Lynch são prova disso. Lynch é prova viva disso!
Se o filme fosse uma pintura - e podemos fazer livremente essa conexão, já que Lynch também é artista plástico - seria, na minha leitura, uma mistura de Dali com Goya, arte sombria, arte pura!
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