quarta-feira, 9 de julho de 2014

MISERY (1987) - STEPHEN KING





Ganhei de presente da amiga que compartilha comigo esse blog no meu aniversário de 29 anos. A dedicatória mencionava minha "loucura kinguiana" fazendo referência à maratona Stephen King que minha vida se tornou nos últimos meses. Realmente o jeito do King escrever é apaixonante com mini spoilers ao longo do livro e (um ponto em comum em todos que li) a manifestação dos pensamentos do personagem dando um toque de thriller psicológico no enredo.

Misery (que não sei porque cargas d'água foi trazido aqui como louca obsessão) é um bom exemplo de como o King consegue transformar um suspense em um grande jogo psicológico. Paul Sheldon é um famoso escritor de "bulhas" (leia-se romances água com açúcar com cenas picantes), que criou um universo envolvendo uma mocinha pobre (chamada Misery - daí o nome do livro) que se envolve em um triângulo amoroso com dois outros personagens, Ian e Geoffrey. Essa saga - que tem aproximadamente uns 8 livros - conta com uma infinidade de fãs, na sua maioria mulheres apaixonadas pelo romance.

Já no início descobrimos que Sheldon tem uma certa aversão pela heroína e, logo após, que foi publicado o derradeiro livro da saga (O bebê de Misery) em que o escritor dá fim à vida e ao universo de Misery. O livro começa com Sheldon finalizando o manuscrito do que seria o seu livro "sério", Carros Velozes, comemorando a possibilidade de uma consagração pela crítica literária com um cigarro e uma garrafa de Dom Perignon.
Sheldon não conhece o slogan "se dirigir não beba" e vai embora da pousada que estava hospedado com uma garrafa de champagne na cabeça, no prelúdio de uma nevasca. Obviamente como todos os bêbados que se aventuram a dirigir em nevascas, Sheldon se acidenta e é resgatado por ninguém mais, ninguém menos, que Anne Wilkes, sua fã número 1 (eu acho que o nome dela combina com Willy Wonka, outro psicótico na minha opinião).

Anne, uma ex-enfermeira apaixonada pelos romances de Misery, leva Sheldon inconsciente pra casa (uma fazenda, distante de tudo e de todos) e cuida do escritor, inclusive com alimentação intravenosa e boas doses de novril, um remédio que causa dependência, mas que alivia a dor da fratura das pernas e das sequelas do acidente. Quando Sheldon desperta, Anne reforça que é sua fã número 1, e pede pra ler o manuscrito que está na pasta (Carros Velozes), enquanto paralelamente compra na livraria "O Bebê de Misery", o último livro da saga.

Daí pra diante, o caráter aparentemente bondoso e altruísta de Annie desbanca, e ela faz várias coisas ao mesmo tempo: primeiro ela faz Sheldon queimar "Carros Velozes" (e o estúpido não tem outras cópias do manuscrito) e, depois, descobrindo que Misery morreu, Anne em total tortura física e psicológica, obriga o escritor a escrever um novo livro, ressuscitando a heroína. Pra isso compra uma máquina que não tem o "n" e monta um escritório, próximo a janela do quarto, para deixar Sheldon totalmente à vontade.

Para aqueles que tem a intenção de escrever livros, Misery é um bom roteiro da vida de um escritor. Trata das formas de abordagem na relação escritor/leitor, de como é penoso escrever sem inspiração e também de dons naturais que algumas pessoas tem de produzir histórias, seja lá em que circunstâncias estiverem. Tem uma passagem muito interessante quando Sheldon entrega o primeiro capítulo do livro a Annie e ela o manda reescrever porque ele não foi "justo" na ressurreição da personagem. Paul reflete e concorda. E reescreve de uma forma mais verossímel. "Pode ser irreal, mas tem que ser justo", é a reflexão do escritor.

E o thriller psicológico se acentua nas várias passagens em que Sheldon nos narra o comportamento de Annie, a forma como ela fica ausente - até catatônica - e a sua personalidade psicótica e doente. Quando contrariada, Annie chega ao extremo da psicose, chegando a cortar com um machado o pé do escritor quando ele quebra a janela para chamar a atenção de um policial que visita a propriedade. Também corta o polegar e por muitas vezes o agride fisicamente, batendo nas pernas quebradas de Paul. Em incursões pela casa de Annie, Paul acaba descobrindo que a enfermeira é mais psicótica do que aparenta: matou o pai, a colega de faculdade e uma série de bebês na maternidade onde trabalhava. Foi presa, interrogada e apelidada de "Mulher Dragão" pela comunidade.

Só no final - quando não acreditamos mais que isso possa acontecer - é que Paul vira o jogo. Com o fim do "Retorno de Misery" Paul pede para Annie o clássico cigarro pós-livro e uma garrafa de Dom Perignon, e a convida a ler o último capítulo, já que Annie está ansiosa para saber o desfecho do livro (ela lia por a medida que Paul ia concluindo, mas os últimos capítulos ela reservou para ler quando o escritor finalizasse o trabalho). Quando ela entra no quarto de Paul, com o cigarro e a champagne, Paul põe fogo no que seria o manuscrito do livro - assim como ela o obrigou a fazer com Carros Velozes - e ela se atira em pânico em cima da obra-prima do escritor.

Queimada e machucada, Annie ainda consegue levantar mas tropeça e bate a cabeça na máquina - nessas horas Paul pensa "uma Deusa, as Deusas não morrem nunca". Paul é encontrado por dois policiais no banheiro da casa de Annie, sentado no chão, em um estado deplorável de terror psicológico, fisicamente debilitado, e acreditando que Annie poderia retornar a qualquer momento (me fez lembrar o Theon em Game of Thrones com relação ao Ramsay).

Descobrimos, no desfecho, que Paul não queimou o manuscrito verdadeiro, que acaba sendo publicado e vira um sucesso de público e crítica. Descobrimos também que Annie morreu pela fratura provocada na cabeça pela máquina de escrever (achei bárbara essa ironia). Annie morreu sem saber o final do "Retorno de Misery", o que fez com que eu me compadecesse dela. Honestamente, ninguém merece morrer sem conhecer o final do seu livro preferido (leu isso Gordo Martin?).

Annie, no entanto, não morre na memória de Paul Sheldon que tem alucinações frequentes com a enfermeira e que deseja nunca mais ficar cara-a-cara com uma "fã número 1".

***

O FILME:




O filme é uma adaptação muito boa, muito boa mesmo do suspense de Stephen King. Foi indicado para uma série de Oscar's lá em 1990, entre eles o de melhor atriz (Kathy Bates tá ótima), melhor ator (James Caan, igualmente) e melhor filme de terror (não acho que seja terror, mas ok). Como toda a adaptação, tem algumas modificações - nada que, a meu ver, comprometa a estrutura da obra de King. O filme aborda também a caçada do policial (no filme é um só) pelo escritor e a forma como ele chega até Annie, coisa que não lemos no livro já que ele é narrado do ponto de vista do Sheldon.

A Annie do filme é muito, mas muito menos psicótica que a Anne do livro. No filme ela não corta nada, só espanca ele e quebra as suas pernas com um martelo. A Annie do filme é uma fã-fanática pelos livros do Paul, altamente surtada, mas que parece muito mais comigo lendo Crepúsculo do que com uma serial Killer psicótica e maluca. Ela tem até cara de fofa, ó:





No filme Paul Sheldon esconde os remédios debaixo do colchão para depois misturar no vinho que Anne acaba não bebendo. No livro não. No livro o Novril é, inclusive, uma das ferramentas de Annie para submeter o Paul às suas vontades, já que o escritor cria uma dependência considerável à substância. O álbum que no filme se chama "Rua da Memória", no livro se chama "Doces Memórias" (algo assim), reforçando a personalidade psicótica da personagem.

Apesar das pequenas modificações, recomendo ambos. É justo e, analisando melhor, até não se distancia tanto da realidade. Afinal, John Lennon não foi assassinado por um fã?

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