sábado, 9 de março de 2019

A FAVORITA (2018)




Honrando a fama de faísca atrasada, resolvi maratonar os filmes indicados ao Oscar. Depois de 'Nasce uma Estrela', assisti 'A Favorita', o filme que rendeu a estatueta de melhor atriz à Olivia Colman e a indicação de melhor atriz coadjuvante à Emma Stone. Diferente do primeiro - também indicado ao Oscar - A Favorita apresenta um roteiro nada óbvio e, em muitos momentos, bem perturbador.

O diretor, Yorgos Lanthimos, nos leva a Inglaterra do século XVIII diretamente para o reinado da Rainha Anne (Olivia Colman). Toda história gira em torno da disputa pelo favoritismo da Rainha entre Sarah Churchill (Rachel Weisz), antiga assessora, amiga e amante da monarca e Abigail Masham (Emma Stone), prima distante de Sarah que chega ao reino em busca de uma posição social, já que seu antigo status foi perdido pelo pai em uma disputa de jogo.

A trama tem vários aspectos interessantes, especialmente pela ênfase que o filme coloca no protagonismo feminismo, já que absolutamente tudo se passa em torno do conflito entre as três mulheres. O feminino aparece forte, descontrolado, dissimulado, puro, com todas as facetas possíveis, típicas da personalidade feminina.

O filme também é uma alegoria a todas as formas de poder - enquanto em Anne, o poder é algo indesejado, imposto; em Sarah, o poder é o meio de atingir um ideal; e em Abigail, uma forma de ascender socialmente custe o que custar.  E é interessante como o poder vai se transformando ao longo da película, se misturando, de tal forma que as personalidades vão nos confundindo, se fundindo, a ponto de não identificarmos, afinal, quem representa o bem e quem está do lado do mal.

E esse, na minha opinião, é o traço mais marcante do filme. Ele não nos apresenta uma visão maniqueísta em nenhum aspecto - todos são falhos e passíveis de erro. Ninguém é genuinamente bom ou absolutamente mal. Os traços das mulheres - e dos poucos homens relevantes que aparecem no filme - nos abrem espaço para vários pontos de vista, fazendo com que os personagens sejam odiados  numa cena e adorados na outra, para depois serem novamente odiados.

Abigail, a Rainha e Sarah


A Rainha é frágil, solitária, nos inspira pena - seja pelas perdas que sofreu (17 filhos), seja porque claramente ela não quer assumir aquela posição incômoda de decidir os rumos do país, das guerras, sacrificando alguns em benefício de outros. Por outro lado, é descontrolada, se vitimiza, é mimada e infantil, aspectos que representam o seu lado mais sombrio.

Sarah é forte, objetiva, prática, idealista e destemida. É, com certeza, a personagem que melhor representa o feminismo como hoje o vemos. Sarah enfrenta os homens do parlamento e a própria Rainha em prol de atingir seus ideais - que no caso é continuar a guerra para que o país saia vitorioso - mesmo tendo seu marido no pelotão de frente do Exército. Por conta disso, também é dolorosamente cruel, raramente gentil e afetuosa.

Já Abigail é doce, afetiva, preocupada. No entanto, a medida que vamos nos aprofundando na história, conhecemos sua personalidade dissimulada e cruel. A cena em que ela pisa em cima de um dos coelhos da Rainha com o salto é emblemática - é como se o filme não quisesse nos deixar dúvidas quanto à vilania da personagem.

O figurino do filme é magnífico e muitas das cenas, ambientadas na era vitoriana, são verdadeiras obras de arte.

É um filme que vale a pena assistir apesar das tantas cenas perturbadores, especialmente porque os relacionamentos que se entrelaçam no filme são moldados na base do abuso e do poder. A sensualidade explícita carregada desse ar abusivo causa, em certos momentos, muito desconforto. E o fim da trama, longe de ser óbvio, anda numa linha não muito diferente das sensações incomodas que o filme provoca durante toda a narrativa.

É filme pra ser visto, revisto, cada vez com um olhar diferente. Dos filmes envolvidos no Oscar (2019) é, por enquanto, um dos meus preferidos.

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