terça-feira, 3 de abril de 2018

O CAPOTE (1842) - NIKOLAI GÓGOL



Antes de falar do “Capote” queria falar um pouquinho de “Gógol”, esse russinho adorável que, na minha ignorância literária, nunca tinha consumido. Pra variar, Vivi, minha Mestra Jedi, me obrigou a lê-lo e qual não foi minha surpresa: amei.

Gógol era natural de uma pequena província da [hoje] Ucrânia e foi aclamado por Dostoiévski que, certa vez, parece ter dito: “Descendemos todos de O Capote” fazendo referência à genialidade da novela escrita por Gógol.

E, de fato, tenho que concordar: O Capote é genial. Genial principalmente pela simplicidade com que a história é contada e pelas críticas sociais contidas nas entrelinhas dessa novela despretensiosa.

Gógol parece ter sido responsável por inaugurar na literatura russa um gênero até então pouco explorado: a comédia. Sempre achei bem engraçadas as piadas infâmes (mas sem graça) do Dostoiévski nos livros (rsrs) mas em “O Capote” eu realmente me diverti. Parabéns Gógol, nem te conheço, mas já te amo.

Em “O Capote”, acompanhamos a história de Akaki Akakievitch, um funcionário público, copista (profissão que, pelo jeito, retrata a pior classe da Rússia de 1800), que leva uma vida ordinária, medíocre e meio melancólica. Diferente de Makar, Akaki é conformado com a vida que leva, não se lamenta, e chega a amar o que faz, tanto que trabalha fora do hora expediente. Nosso primeiro workaholic da literatura, prazer.

Akaki é pobre, mas assim como Makar é um homem orgulhoso, e não gosta de sair mal vestido por aí. Em uma noite fria russa, com o vento entrando por todos os buraquinhos do casaco, Akaki decide que seu Capote “não dá mais” -Pra mim chega mãe, não tenho mais roupa. O costureiro do subúrbio, vamos chama-lo aqui de “remendista”, analisa o pobre capote e conclui: Sai pra lá com esse pano de chão Akaki, se eu passar uma agulha por esse trapo, ele se desmancha. Então, Akaki toma tino na vida e decide: Tá bom, tá bom, vamos fazer um novo!

O pobre, então, fica obcecado pelo capote. Akaki é econômico, muito diferente do pródigo Makar. Ao invés de sair por aí fazendo crediário, comprando O Capote em 20 vezes sem juros, Akaki economiza pra mandar fazer o tal casaco e pagar em cash. Não acende as lamparinas, pra não gastar óleo, passa fome, e fica alguns meses nessa economia sem fim só almejando o capote novo, sonhando, idealizando. 

Finalmente Akaki consegue juntar dinheiro e a peça fica pronta em longas e intermináveis duas semanas. Akaki, então, de posse da casa própria do seu novo capote, vai todo orgulhoso pra repartição e é cumprimentado por todos os colegas (Aêêeee Akaki, de casaco novo e me devendo). A alegria é tanta que a turma resolve fazer uma festinha pra comemorar um certo aniversário, mas também o capote novo do nosso amigo.

Akaki, meio incomodado porque não curte muito isso de vida social tão eu, resolve ir a festa na casa do colega que fica em uma região nobre. Pra ir pra festinha, no entanto, Akaki que é um copista suburbano, tem que passar por ruelas meio tensas do subúrbio. Eis que, na volta da festa, Akaki é assaltado e dois indivíduos roubam o capote do coitado. C-O-I-T-A-D-O.

A partir daí se inicia uma via-crucis pra tentar recuperar o tal capote. Ele, primeiro, é aconselhado a não procurar o inspetor de polícia pois “ele só vai embromá-lo, sem nada fazer”. Akaki, então, vai atrás do Comissário, “um bom homem”, mas depois diversas tentativas de uma audiência, sem êxito, quando Akaki finalmente consegue falar com o homem, sai decepcionado pois “essa figura entendeu de forma completamente estranha o episódio e começou a fazer perguntas sem propósito”.
Akaki, no entanto, é brasileiro russo e não desiste nunca. Orientado por um colega, ele vai procurar “um certo figurão” que recentemente ascendeu na carreira. Ocorre que Akaki, que além de pobre também é azarado, chega na hora errada pra falar com esse personagem. O figurão que, naquele momento, precisava mostrar sua relevância para um terceiro, é grosseiro, destrata e humilha nosso pobre Akaki, deixando-o desolado, na rua da amargura.

Sem solução, sem esperança e sem capote, Akaki adoece e morre, assim mesmo, em dois parágrafos. Akaki “por fim soltou o último suspiro e morreu” - assim de forma repentina e em uma única frase. É trágico, mas foi impossível não lembrar do Didi nessa hora.. rsrs

No céu tem capote? E morreu.

A partir desse acontecimento trágico, o escritor conta que a cidade passou a viver “assombrada” por um fantasma que roubava capotes e que, aparentemente, todos reconheciam como Akaki. 

Trabalhando bastante com a figura da culpa, Gógol mostra o quanto a mente humana pode fantasiar por conta dela. As pessoas que até então não notavam em Akaki, por ser um pobre funcionário vivendo à margem da sociedade, passaram a notá-lo através do seu próprio “remorso”. Assim como em “Crime e Castigo”, a culpa assume o protagonismo da trama nesse momento. Essa, pelo menos, foi a minha leitura.

O “figurão” que humilhou Akaki, e que tem também seu capote roubado pelo “fantasma”, não só identifica Akaki como ouve ele dizer “Não quis incomodar-se pelo meu (capote). Agora fico com o seu”. Tão grande é sua culpa e sua consciência que nunca mais a tal figura destratou um subalterno.

E a novela termina tão singela quanto começou. É engraçada, mas ao mesmo tempo provoca profundas reflexões - assim como acontece em Gente Pobre - sobre as desigualdades sociais e as pessoas que vivem no limite entre a pobreza e a miséria. Pelo pouco que eu li (gosto de ler as críticas para só depois de registrar minhas impressões, evitando contaminações de inteligência na minha ignorância.. rsrs), esse também é um livro que faz uma crítica velada ao excesso de burocracia.

Quem se interessa por uma análise mais técnica, tem um vasto material na internet, relacionando O Capote com a filosofia, a psicologia, a física, a matemática, a biologia, a astrologia, mas sugiro mesmo esse vídeo aqui do canal "las hojas muertas y otras hojas", que faz uma análise bem interessante de O Capote, explicando os naturalistas e a vertente literária dessa novela.

Eu quero ler mais de Gógol. Fica aqui meu compromisso. Se todos os seus textos forem como “O Capote”, acho que o Dostô tem um forte concorrente no meu coração.


*** O FILME ***

O CAPOTE (1959) - ALEKSEY BATALOV 



Assisti uma das tantas adaptações cinematográficas de “O Capote”, dirigida pelo ator de cinema soviético Aleksey Batalov que, ao que parece, dirigiu apenas três filmes em toda sua carreira, tendo se destacado mais como ator nos filmes “Quando Voam as Cegonhas” e “Moscou não Acredita em Lágrimas” (não assisti, mas vai pra listinha).

O filme foi realizado durante o que chamaram de “Degelo de Kruschev”, um movimento após a morte de Stalin (1953) que, sob o comando de Nikita Khrushchev, amenizou e relativizou a repressão e a censura, gerando como consequência uma eclosão cultural na União Soviética, momento em que foram realizadas diversas adaptações cinematográficas.

Aleksey segue fielmente o roteiro do livro de Gógol, com algumas pitadas pessoais que são bem diferentes da história contada no livro, como por exemplo o momento em que o o capote de Akaki é roubado - a circunstância é totalmente diversa da obra literária, pois no filme Akaki é levado a um beco por uma moça que está fugindo de um policial.

No mais, o roteiro segue a mesma ordem do livro, alcançando a essência de todos os personagens: desde Akaki, potencializando ainda mais sua mediocridade, até o tal figurão, demonstrando sua excessiva e forçada superioridade. 

A obsessão de Akaki pelo capote é explorada com mais força por Aleksey, como se o diretor pretendesse deixar ainda mais claros os objetivos de Gógol no clássico. Isso fica ainda mais evidente na crítica do filme à burocracia - que no livro também existe, mas de uma forma mais velada.

Confesso que morri de pena do Akaki do filme. Achei o filme mais dramático do que o livro, talvez porque, embora a história também seja muito trágica e melancólica na literatura, levei a obra de uma forma mais leve. O filme, por outro lado, fez com que eu me compadecesse de Akaki um milhão de vezes e, confesso que, em determinadas cenas, até me deu um nó na garganta.

Pudera, a expressividade do ator ucraniano Rolan Bykov que interpreta Akaki é pra matar qualquer ser humano de pena.


Valeu muito a pena. Ainda tem muitas outras adaptações que espero assistir de "O Capote" (tem uma de 1926 disponível até no Youtube, mas que ainda não tive paciência). No entanto, pelo pouco que eu li, Aleksey parece ter superado muitas delas, extraindo da obra-prima de Gógol a sua verdadeira essência.

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