terça-feira, 27 de março de 2018

ACOSSADO (1959) - JEAN-LUC GODARD



Estou cada dia mais convencida que uma mente “fitness” também dá muito trabalho. É legal entupir a cabeça de entretenimento, mas um pouco de cultura de vez em quando exercita um pouco os neurônios e dá uma “endorfinada” no cérebro (o meu, no caso, já tava quase atrofiado de tanta porcaria que ando consumindo.. rsrs).

Foi assim, nessa vibe “socorro, preciso de algo saudável” que decidi me aventurar na Nouvelle Vague (é tipo pular de um mundo de batata frita pra uma vida Low carb, meio pretensioso da minha parte, confesso, mas tá valendo). 

Por isso, já vou avisando, as minhas impressões do filme estão bem longe de ser “cúltis” e aprofundadas.  Como tudo aqui, os meus apontamentos são totalmente intuitivos e leigos, mais como uma resenha pro meu cérebro ler e relembrar, no futuro, do que com uma pretensão crítica cinematográfica. Eu nem teria condições intelectuais, admito.

O primeiro filme, então, que assisti foi “À Bout de Souffle”, de Jean Luc-Godard, que, segundo pesquisei, teria tradução literal de “no fim das forças, sem fôlego”, fazendo clara referência ao roteiro do filme (que, ao que também pesquisei, é uma adaptação de um roteiro de Truffaut). Ou seja, cultíssimo. Meu cérebro subiu de nível uma linha e meia desde que assisti.

Aqui o filme foi lançado como “Acossado”. É basicamente a história de Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo), um “fora-da-lei” que, ao furtar um carro, acaba matando um policial. A partir daí, a história se desenrola. O filme, em um primeiro momento, parece não ter roteiro (essa é uma das características de Godard e da Nouvelle Vague, segundo li) e, diferentemente de outras películas, não sabemos exatamente onde o filme “quer chegar”.

Na trama, Michel se reencontra com Patrícia Franchini (Jean Seberg) - que ele já saiu algumas vezes - uma aspirante a jornalista, americana, que mora em Paris e que busca ascensão profissional em uma época em que as mulheres lutavam por espaço e independência no contexto de uma sociedade machista.

O filme, aliás, traz uma dualidade bem interessante com relação a isso: enquanto Patrícia é uma mulher lutando por independência e igualdade - o que é contextualizado em alguns diálogos em que o número de homens com quem Patrícia dormiu é tratado com uma trivialidade que ainda não temos nem em 2018 - Michel é um boçal com comportamentos, por vezes, abominavelmente machistas. 

No início do filme, por exemplo, ele vê duas garotas pedindo carona, faz referências às coxas das meninas, e insinua que vai cobrar um beijo, até concluir que não dará carona porque "elas são feias". Numa discussão em que Patrícia, romanticamente, propõe que eles sejam como Romeu e Julieta, Michel responde que “isso são mesmo ideias de mulher”. Até Parvulesco, o escritor que Patrícia entrevista, ao ser perguntado se a mulher tem espaço na sociedade moderna, responde que somente se “for bonita” e usar um lindo vestido com óculos de sol (fazendo referência a própria Patrícia).

Fora isso - que achei muito bem explorado - o filme cresce do meio para o fim. Acompanhamos Patrícia mudar a sua indiferença com relação a Michel ao descobrir que ele é, na verdade, um assassino procurado pela polícia. Ela “se apaixona” por essa faceta perigosa de Michel, se deslumbra, e decide, então, amá-lo, fugindo com ele pela França até que eles possam ir para Itália.

Michel, por sua vez, nutre um amor infantilizado por Patrícia, o que, na minha opinião, fica evidente no paradoxo amo/odeio entre os personagens. Tal qual um menino apaixonado de 05 anos, quando não é correspondido ou é rejeitado, Michel diz que odeia Patrícia, ofendendo-a (feia, chata, boba) para, logo depois, dizer que a ama perdidamente e que, embora possa viver sem ela, “não quer”.

O final é surpreendente: Patrícia, em um rompante de razão, antes de ir embora definitivamente com Michel, o entrega pra Polícia. Michel é baleado e morto. Patrícia que parece, a princípio, dar uma de Mária Lúcia no final para “morrer junto com Michel seu protetor”, apenas se aproxima para ver Michel morrer, não sem antes ser chamada por ele de “asquerosa”, o que eu achei genial, pois retoma o amor infantilizado que é muito bem explorado durante o filme.

O filme é realmente MUITO do que dizem. Não sou expert em cinema, portanto não sou apta para fazer uma comparação com o cinema que vinha sendo realizado até aquela data (que é o que engrandece Godard e a própria Nouvelle Vague). O que me chamou atenção, no entanto, foi a sensibilidade e a sutileza que algumas questões são “levantadas” na película. 

Muitos diálogos são geniais, como por exemplo a passagem em que Patrícia afirma “[...] Não sei se estou triste por não ser livre ou se não sou livre por estar triste” ou, no final, quando Michel se dá conta da superficialidade da relação que eles vinham mantendo e da consequente falta de amor: “Falei sempre de mim e você de si. Você deveria ter falado de mim e eu de você”.

Tem passagens cômicas também, como essa aqui (me indentifiquei, aliás, rsrs):



Tudo isso pra dizer que minha estreia com Godard não poderia ter sido melhor. Acossado vai muito além de um filme “cult” (o que me espantaria, porque tenho sono acho meio prepotente esse rótulo). É um filme sensível, inteligente, e delicioso de consumir, principalmente se você, como eu, está procurando um “detox” de vampiros geneticamente modificados e de palhaços com caninos proeminentes (sim to lendo It).

Au revoir!

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