quarta-feira, 21 de novembro de 2018

A MALDIÇÃO DA RESIDÊNCIA HILL - PRIMEIRA TEMPORADA (2018)



A Maldição da Residência Hill ou Hill House é uma série original da Netflix, dirigida por Mike Flanagan, e foi adaptada do livro da Shirley Jackson, publicado aqui no Brasil como A assombração da Casa da Colina. Ainda não li o livro, mas ao que parece não há muita relação entre um e outro, embora a essência do livro tenha sido preservada.

A série nos apresenta a história da família Crain, composta de 07 integrantes (número místico?): Os pais (Hugh e Olivia) e seus cinco filhos (Steven, Shirley, Theo e os gêmeos Luke e Nell). O trabalho de Hugh e Olívia consiste em comprar casas em péssimo estado, reformá-las e vende-las, residindo nas propriedades durante esse período, o que os leva à Residência Hill.

O ator Henry Tomas (siiiim, o gurizinho do ET) interpreta Hugh Crain
To velha

*LÁ VEM SPOILER*

O que aparentemente era um projeto de sucesso com potencial de enriquecer a família, se torna o pior pesadelo na vida de todos. A mansão, como o próprio nome já indica, é assombrada pelos antigos moradores (Os Hill) que lá residiram e cuja história nos é contada em pequenas doses ao longo da narrativa: 1. sabemos que o casal se conheceu em um hospício; 2. que a mulher - insana - matou os dois filhos, um deles (o da cadeira de rodas) envenenado aos poucos; 3. que o marido se matou de dor e culpa, se emparedando no porão da casa, depois virando o fantasma alto que aparece em várias cenas; e que 4. ao final, ela morre velha e louca.  

A casa, por isso, tem vida própria, atraindo (e por que não propositalmente?) a família Crain, dotada de poderes "sensitivos", o que segundo Olívia vem passando de mãe para filha em cada geração. Alguns dos filhos mais sensitivos começam a perceber estranhas movimentações na mansão, seja através de barulhos, sons, visões, o que vai se intensificando a medida em que o tempo passa.

Olívia, também muito sensitiva, começa a apresentar um comportamento perturbado, confuso, alternando entre sonhos, pesadelos e visões. E a casa vai ficando cada vez mais viva, cercando seus moradores gradativamente e produzindo um clima de medo e loucura, que vai extravasando nos personagens mais influenciáveis, caso de Nell, Luke (os gêmeos e filhos mais novos) e Olívia.

Tudo isso é contado pouco a pouco em episódios não lineares, como acontece em It - A Coisa em que os personagens já adultos relembram os momentos da infância na Residência Hill (aliás, li algo sobre o King ter se inspirado no livro para construir It). Logo, passamos a conhecer a história (sobretudo os primeiros 7 episódios dos 10 da primeira temporada) do ponto de vista de cada um dos membros da família Crain, a partir do suicídio de Nell quando, obrigatoriamente, todos forçosamente se reúnem, trazendo à tona as mágoas, culpas e traumas.


Não supero a Esme (Elizabeth Reaser) do Crepúsculo como Shirley rsrs


Particularmente, sempre me emociono com esses enredos de famílias reunidas em torno de uma doença ou morte, revivendo em razão disso seus piores traumas, suas culpas (um ótimo filme nesse sentido é Invasões Bárbaras). O diferencial dessa série reside, para mim, justamente aí: não se trata de uma narrativa de terror, pura e simples, mas de uma história extremamente envolvente que nos convida a refletir sobre nossas relações e nossas dores. É uma série sobre mágoas, mas é também sobre o perdão. Se perdoar e perdoar aos outros e espantar os fantasmas da culpa e do medo que assombram nosso passado.

E nesse ponto o criador da série foi de uma competência absoluta: é difícil não se identificar com os dramas, principalmente quem sofre do mal e da beleza de ter irmãos. A construção da relação dos personagens foi tão milimetricamente perfeita que todas as cenas ganham uma naturalidade assustadora. Isso se vê em pequenos detalhes, como na cena do casamento de Nell em que Theo aparece filmando a dança com o iphone (quer mais vida real que isso? rsrs), a cena em que Luke leva Nell pro submundo e pede que ela compre heroína, o que rende uma interpretação de tirar o chapéu (dá pra sentir a angústia dela nessa cena, entre acreditar no irmão e saber que está sendo manipulada).

Ao longo da narrativa, fica claro que todos se tornaram adultos perturbados e influenciados pelo período que moraram na Residência Hill. Aliás, tem uma teoria que cada um dos personagens representa uma fase do luto: Steven, a negação; Shirley, a raiva; Theo, a barganha; Luke, a depressão; e Nell, a aceitação - tá aí nas redes, vale a pena dar uma lida.

Steven, o mais velho, é um escritor (assim como Bill se torna em It) e publica um livro sobre a época em que residiram na mansão. É de todos os irmãos o mais cético, embora também seja sensitivo, mas nega completamente suas visões. Viu muito pouco dos fantasmas na Residência Hill. Para Steven tudo o que aconteceu na Residência Hill é fruto de uma doença mental de origem genética, tanto que, por isso, ele revela ter feito uma vasectomia para que essa "doença" não seja repassada aos filhos. 

O ceticismo de cada um dos irmãos se apresenta maior ou menor conforme a idade que tinham à época. Vemos os filhos mais velhos sendo mais céticos, como Steven e Shirley e os filhos mais novos acreditando e aceitando mais o que aconteceu na infância como algo inexplicável e sobrenatural, como Theo, Luke e, por último, Nell, a mais afetada.

Todos os filhos têm seus "fantasmas" que carregam consigo ao longo da vida, inclusive o próprio Hugh. No entanto, os fantasmas - propriamente ditos - não saem da Residência Hill. Fora da mansão, os fantasmas claramente são criações da cabeça de cada um dos personagens para lidar com o episódio: Nell enxerga a mulher de pescoço torto (que, depois, de forma muito impactante, descobrimos que se trata dela mesma). Luke enxerga, já adulto, o Sr. Hill. Shirley enxerga um amante ocasional que teve fora da relação. E assim por diante.

Quando falo que o período na Residência Hil influenciou a vida de todos, me refiro principalmente às suas escolhas: Shirley se torna dona de uma funerária, Theo uma psicóloga infantil, Luke um viciado em drogas, demonstrando que o período em que moraram na mansão teve uma influência definidora na forma como a vida de cada um deles é conduzida. 

No clímax da história, descobrimos que Olívia se suicidou durante o fatídico período na mansão, morte que somente será desvendada definitivamente ao espectador no último episódio. Hugh, que continua vivo, está afastado dos filhos desde que os episódios na Residência Hill ocorreram. Judicialmente, Hugh perdeu a guarda das crianças para Tia Janet, irmã de Olívia.

Hugh enxerga Olívia durante toda a vida, criando essa figura para superar a perda da esposa. Olívia, o fantasma, continua presa à residência Hill, tanto que, no último episódio, quando ela vê Hugh, ela diz "quanto tempo!" e se surpreende afirmando como ele está diferente (mais velho), provando que a Olívia que interage nos outros episódios é criação da mente de Hugh.

O final é surpreendente e muito triste porque trabalha com a culpa, o perdão e a redenção. Hugh barganha a liberdade dos filhos por sua alma e se suicida com remédios para o coração, permanecendo com Olívia para todo o sempre na Residência Hill. Todos se despedem do espírito de Nell e essa parte é de cair no choro.

Ah quase ia esquecendo: descobrimos que a porta vermelha, o mistério que nos deixa intrigados durante toda a série, nunca esteve trancada e a sala por trás dela assume a forma do que cada um dos personagens precisa para "digerir" os acontecimentos da mansão (por isso usam a metáfora de que a sala é o estômago da residência): uma sala de leitura (para Olívia), uma casa na árvore (para Luke), uma sala de dança (para Theo), e assim segue. Todos estiveram lá, sem saber.



No desfecho, a residência permanece intacta, mantendo vivos todos os seus fantasmas, o que pode ser o mote para uma segunda temporada. Eu confesso que ficaria mais feliz se a eventual segunda temporada narrasse de forma detalhada a história da família Hill - penso que tem muito espaço para isso. No entanto, o futuro da família Crain também pode ser explorado em eventuais outras temporadas, porque há muito ainda que pode ser produzido a partir dos personagens sobreviventes. 

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