sábado, 22 de setembro de 2018

IT: A COISA (1986) - STEPHEN KING





Encerrei hoje, 21 de setembro de 2018, uma pendência que estava há meses me tirando o sono. Que alívio! Por duas vezes, comecei a ler “It: A Coisa” e abandonei. Toda vez que eu retomava a leitura, reiniciava tudo novamente, pois estava sempre com a sensação de estar perdendo alguma coisa no curso da obra.

Acompanhei com um misto de emoções a história de Bill Denbrough, Eddie Kapsbrak, Richard Tozier, Ben Hanscom, Michael Hanlon, Stanley Uris e Beverly Marsh, um grupo de amigos residentes em Derry, no Maine - estado americano onde, aliás,  o King nasceu e vive, e não por coincidência onde são ambientadas a maioria das suas histórias.

Quando digo que acompanhei “It” com uma mistura de sentimentos, estou falando de picos de empolgação, ódio, ranço, tédio, sono, indignação e medo. A história, em si, não tem nada de complexa, densa e nem muito assustadora, aliás. Muito pelo contrário, chega a ser bobinha bem rasa na maioria das vezes, mas seus personagens tem construções sólidas e absolutamente cativantes.

*LÁ VEM SPOILER*

Tudo começa em 1958 quando George Denbrough, irmão de Bill (Bill Gago) é assassinado misteriosamente por um monstro que reside nas profundezas dos bueiros e esgotos da cidade de Derry (Maine) e que reaparece a cada 27 anos desde os primórdios da criação.

A cena de George correndo com um barquinho e uma capa de chuva amarela, momento antes do seu fatídico desfecho, é o que há de mais clássico em "It".




A partir daí, Derry vivencia uma sequência de desaparecimentos de crianças, algumas encontradas violentamente mortas. E é nesse contexto de horror e medo que começam a se unir - como se conectados por uma força do destino - um grupo de sete amigos, todos entre 11 e 13 anos, protagonistas da trama. 

Os amigos começam a vivenciar, primeiro isoladamente, e depois em conjunto, uma série de acontecimentos estranhos, onde os seus piores medos são personificados e ganham vida. Mike é perseguido por um pássaro gigante. Richie por um lobisomem. Bill pelo irmão George. E assim, sucessivamente. Todos, no entanto, enxergam algo em comum nesses eventos: a figura de um palhaço, com pompons laranjas, dentes em formas de lâminas e sorriso insano e sangrento. Nosso querido It, A Coisa ou se quiserem chamá-lo pelo nome, nosso adorável Pennywise. 

Cientes da existência da Coisa, os amigos começam a pensar em um plano para matá-la e armam um confronto. Embora nutram alguma esperança de ter matado o monstro que os assombrava, tudo que eles conseguem é machuca-lo e todos fazem uma promessa (com sangue) de que, se a Coisa retornasse, voltariam a Derry.

Vinte e sete anos se passam (em 1985), e o pior temor de todos é confirmado. Mike (único que ainda vive em Derry) convoca a todos para retornarem à cidade sob o pretexto de matar definitivamente A Coisa e cumprir a promessa feita anos atrás. Nenhum deles tem filhos e, exceto por Mike, todos se tornaram profissionais bem sucedidos e ricos Bill, por exemplo, virou um escritor de horror famoso (sempre penso nos escritores como personagens um pouco autobiográficos do King. Muito do que ele questiona sobre “de onde Bill tira suas histórias” pode ser que sejam perturbações do próprio autor). 

Após as ligações de Mike, temos a primeira baixa: Stan Uris, aterrorizado pela ideia de voltar a Derry, corta os pulsos na banheira da sua casa. Todos os outros, de uma forma ou de outra, retornam a Derry e vão retomando aos poucos a memória daquela época infantil. Alguns padrões também são retomados: Bill volta a gaguejar, Richie volta a precisar de óculos, e assim por diante.

Tom (marido violento de Ben) e Audra (esposa de Bill) também se dirigem a Derry, sem avisar, estranhando a repentina mudança na personalidade de seus companheiros. Henry Bowers, o valentão da escola e perseguidor das crianças na infância, foge do manicômio judicial que está preso e retorna a Derry após ouvir a “voz da lua” para se vingar.

Com todos esses elementos reunidos e em seus devidos lugares, a trama começa a se encaminhar para o ápice: o tão temido confronto final (que é contado paralelamente com o confronto ocorrido na infância). E é aí que, na minha opinião, a história desanda, ganhando tons de bizarrice extrema (prazer, Stephen King). Eu sempre penso que o King tem um sério problema com finalizações - a obra sempre começa genial e vai sendo cagada destruída quando se aproxima do desfecho, geralmente com a inclusão de personagens absolutamente descontextualizados.

Audra e Tom, por exemplo, poderiam ter sido muito melhor explorados. Não dá pra acreditar que não houve confronto entre Tom e Bev. Audra tem um papel mais atuante na trama porque a captura dela pela Coisa desconcentra Bill, mas só isso? Sério King? Henry Bowers, nem se fala. Ensaia o assassinato de Mike na biblioteca. Tenta matar Eddie e é rapidamente assassinado por ele. Sem muita resistência, nem emoção. Fugiu do hospício pra quase nada, em resumo.

Mas o pior está no confronto com a Coisa propriamente dito. No caminho para encontrar Pennywise, o grupo - agora reduzido a Bill, Bev, Ben, Eddie e Richie se aventuram nos esgotos exatamente como em 1958: com FÓSFOROS! Alguém sabe quando foi que inventaram a lanterna? Por que eu não posso crer que em 1985 alguém não tivesse uma lanterna de pilha pra essas criaturas levarem na escuridão subterrânea de Derry.

Tem mais. Eu consigo suportar que A Coisa seja uma aranha gigante aos olhos deles (ok), mas não consigo digerir uma Tartaruga Gigante fazendo papel de Jesus, filho de Deus. A Tartaruga (rsrs) foi quem os impulsionou e os ajudou a enfrentar o mal. Uma T-A-R-T-A-R-U-G-A, isso mesmo. Por que, senhor uma TARTARUGA?

Essa metáfora do bem e do mal aparece em vários livros do King, mas não me lembro de nenhum que ele tenha feita uma alusão tão clara a Deus (nesse caso versus o Diabo). No fim do livro, ele inclusive  conclui que "se a vida ensina alguma coisa, é que há tantos finais felizes que o homem que acredita que Deus não existe precisa questionar seriamente sua racionalidade".

Não contente com essa bizarrice, o plano para o assassinato da Coisa envolve morder a língua imaginária dela (O Ritual de Chüd), tanto que no ápice do confronto Bill reflete, incentivado pela Tartaruga (rsrs): "e se eles tivessem mordido fundo a língua um do outro, não fisicamente, mas mentalmente, espiritualmente?". Pelo amor de Deus King, me dá um pouco desse chá de cogumelo que tu consumiu pra terminar esse livro!

Eu entendo que o King escreve fantasia, mas toda fantasia tem que ter elementos que nos conectem à realidade, estabelecendo metáforas e comparativos verossímeis, não só pra facilitar a compreensão, mas pra tornar mais palpável "a moral" da história. O desfecho de "It", na minha opinião, elevou o nível fantasia para a categoria alucinação. 

A frase de Bill, por exemplo, que o conduz à realidade em momentos de insanidade -  “ele soca postes de montão e insiste que vê assombração” - quero crer que está prejudicada pela tradução para o português. Que frase é essa, gente? Era um recurso contra a gagueira, então imagino que seja o equivalente no Brasil a “três pratos de trigo para três tigres tristes”, haha, ou seja, totalmente imbecil.

E por último, o que foi aquela cena, pós primeiro confronto, da Bev aos 11 anos (12 anos?) transando com todos os garotos lá no esgoto para evitar o distanciamento do grupo e trazer todo mundo para a realidade? Tem tantas outras maneiras de materializar o presente e sair de um transe que, PUTZ, ficou muito desnecessário.

King começou a escrever "It, a Coisa" em 1981 e finalizou apenas em 1985 (ano que eu nasci, aliás). Quero crer que nesse hiato ele acabou perdendo o ritmo da genialidade da trama (embora o King tenha tantos precedentes de desfechos toscos, que ele tá meio sem credibilidade comigo). Acho que ele quis essa conclusão mesmo. Mesmo assim, o miolo da história vale a pena ser lido. Se não pela história em si, ao menos pelos personagens, que inspiram afeto e cativam a cada página.

A última baixa significativa foi Eddie (e a Tartaruga, mas isso a gente ignora rsrs). Confesso que fiquei bem triste, mas acho que a história ficaria ingênua se somente os maus sucumbissem. Ingênua e inverossímil demais, já que na vida se nem sempre o bem vence, que dirá vencer invicto não é? As perdas fazem parte. Ao menos nesse ponto King acerta nos oferecendo alguns traços da realidade que tantas vezes na história ele deixou escapar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário